Home Poesia Prosa Traduções Colaborações Arquivo Contatos

Bem-vindo à homepage de Renato Suttana.

Carlos Martins, A roda do destino

 

O SOPRO DO AXÈ

 

(Antonio Godi*)

 

O Afoxé é a referência das comemorações carnavalescas da primeira capital brasileira em 2009. Até porque comemoramos 60 anos do tapete branco da paz resistindo desde a passagem da segunda guerra até hoje (1949-2009). Trata-se de conquistas múltiplas marcadas por querelas culturais, sociais e festivas tantas que caracterizam a complexidade de nossa história. É a antevisão de uma conquista humana em busca de uma diversidade plena. É como o anúncio de vitória de uma “afro-baianidade” misteriosa e mítica que guarda sua glorificação numa mescla inusitada de cultura, estética e religiosidade. O “afoxé” de matriz étnica nagô guarda na sua significação o mistério de nossas origens e mesclas. Enfim, revela miticamente a realização dos contatos humanos através da palavra e da vida festejada e concretizada. Ou seja a etimologia desse vocábulo aponta para a soma de duas expressões da língua nagô: (palavra, sopro) e axé (poder de realização).

 

O termo “afoxé” abriga uma reflexão de ordem filosófica e epistemológica profunda. Ou seja, a “palavra” enquanto “sopro” emissor da comunicação realizando o partilhamento cultural da vida humana. Sem respirar o homem não existe e ao expirar o ar da vida emite sons socializando e conspirando possibilidades do existir através de recepções múltiplas. Ao “soprar” na direção dos outros os homens viabilizam o caminho da emissão e do significado concretizando a existência em linguagem e comunicação. Exú que o diga.

 

Paradoxalmente, o termo “Afoxé” passaria a representar, historicamente, significados tantos para além de sua rica etimologia. Afoxé hoje é sinônimo do ritmo do ijexá, do instrumento musical xequeré e, principalmente das agremiações afro-carnavalescas homenageadas enquanto tema do Carnaval de 2009. Importante informar que a formatação dessas agremiações afro-carnavalescas constituídas entre os séculos XIX e XX, jamais existiriam sem a presença matricial dos desfiles dos Reinados de Congo no Brasil escravista da Colônia e do Império. Nessa passagem os africanos, aparentemente iguais, dão prova da complexa diversidade humana.

 

Sem dúvidas a presença afro-carnavalesca no carnaval moderno baiano tem no pioneirismo dos Clubes Embaixada Africana (1895) e, Pândegos da África (1896) uma referência de história e continuidade. Tudo então começou e se proliferou. Desdobrou-se em batucadas, afoxés, escolas de sambas, blocos de índios e blocos afros. Multiplicou-se em presenças, comportamentos, estéticas e sonoridades mudando as cenas baianas e contemporâneas. O “País dos Carnavais” não conhece o Carnaval e nem mesmo os “Afoxés”. Não escutou os sopros tantos que possibilitaram acontecimentos inusitados e carnavalizados. Não leu nem viu a emergente antropologia baiana de Nina a Carneiro. Passou ao largo das atuais viagens históricas e antropológicas de Antonio Risério, Raphael Filho, Ericivaldo Veiga, Wlamira Albuquerque. E nós tantos que insistimos em pensar sobre o poder e sonoridade da palavra estética e socializante no existir.

 

A Bahia ouviu de longe o canto dos Blocos afros sem levar em conta de onde vinha e onde estava o veio primacial do sopro rítmico dos “Afoxés”. A Bahia desconhece e subestima seus poetas e pensadores. A Bahia não conhece o ator, cineasta e poeta Miguel Carneiro. Reconhecido e premiado internacionalmente com um poema histórico denominado “A Lenda dos Afoxés”. A Bahia não conhece a Bahia. Mesmo quando pensa homenagear um de seus ícones culturais. “Triste Bahia...”!

 

* Ator e diretor artístico. Professor do DCHF/NUC/UEFS.

 

Retorna ao topo da página