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Henri Matisse

 

QUATRO POEMAS DE MARÍA MONVEL


PESAVA-ME SEU NOME

Pesava-me seu nome como um grilhão de ferro,
pesava-me seu nome como férrea cadeia,
pesava-me seu nome qual fardo sobre os ombros,
como atada ao pescoço me pesara uma pedra.

Já não está junto ao meu a injúria do seu nome,
e... me pesa!

Seu amor me pesava ambicioso e mesquinho,
seu amor me pesava de desejo e de queixa,
seu amor me pesava que mais que amor foi ódio,
sua dignidade abrupta que era bem mais soberba.

Já não tenho seu amor, sua dignidade, ou ódio,
e... me pesa!

Pesavam-me seus zelos pendentes dos meus gestos,
pesavam-me seus zelos candentes de tragédia,
pesavam-me seus zelos adustos, implacáveis,
envolvendo o meu corpo com obscura suspeita...

Já não tenho seus zelos, sua suspeita, a injúria,
e – meu Deus! – me pesa...




E PARA AMAR-TE ASSIM...

Um tal amor jamais arderá em minha vida,
para querer-te assim me declaro vencida.

Qual racimo espremido em vaso de olaria,
minha alma pura e simples na tua se desfia

e deixa um sumo doce... Que te darei, pois, já,
de cândido, de novo, de virginal?... Está

meu coração já murcho, murcho – uma noviça
na arte de amar buscando uma sombra cediça.

Não era digno, é certo; e entanto ainda a vida
não me havia ensinado que pode ser fingida

a exaltação mais louca do amor, mentira vil,
a querela mais doce e o beijo mais gentil...

Tudo sei hoje. E eu mesmo não teria fingido?
Meus olhos, boca, o riso não teriam mentido?

Alguma vez, quem sabe se uma lágrima ardente
me fez, sendo culpada, passar por inocente.

Conheço a entonação da minha voz, pois chega
minha vontade a ser amável, doce ou cega...

Tu és tão grande e nobre, e ele era infame e néscio,
a ti te admiro tanto como a ele o desprezo;

mas não há dois amores iguais em toda a vida,
e para amar-te assim – me declaro vencida!




AONDE FOI MINHA VIDA?

Aonde foi minha vida,
quando foi minha estrela?

Fugiu de mim, quem sabe,
e já não posso vê-la?

Eis que me invadiu a alma
uma brutal cegueira?

É nulo o meu sentir
que, cego, em vão tateia?

Enquanto estás comigo
me abate a tua ausência?

Sem que eu escute ou sinta,
me chamas e me beijas?

Em teus braços me oprimes,
enquanto devaneio?

Fugires tu? Deixares-me
em solidão imensa?

Ou é a loucura acaso
que enche minha consciência?

Verdade é que te chamo,
sem que um eco me alente?

Peço, vão, teu amparo,
quando alguém me condena?

Grito, e tu não respondes?
Choro, e tu não me beijas?

Não! tu não me abandonas...
Eu é que fiquei cega!

Tu não me abandonaste:
fui eu, como antes era...

Chamas-me, e não escuta
meu coração de pedra.

A luz já não me serve
para te ver com ela.

Minhas mãos já não logram
tocar teu corpo terno.

Nem meus lábios alcançam
os beijos que me entregas.

Perdi, pois, os sentidos
com que te adorei, cega,

e minha alma, truncada,
que, morta, não se eleva,

me deixou uma vida
que não vê tua estrela...

Não penetra teu grito
esta muralha eterna!

Se tocasse o teu céu
ou tua noite negra...

Não quero ar, se não é
esse teu ar de seda.

Quero colher-te rosas,
as que em teus prados cresçam.

Quero essa noite escura
onde tua alma adormeça.

Quero teus mares fundos
ou tua obscura pedra.

Quero o oco na almofada
onde pões a cabeça.

Quero esse céu azul
onde acaso vagueies!...

Reza doces rosários
com tuas mãos de seda!

Dá a Deus o teu sorriso
para a ti devolver-me,

e à tua irmã – a Virgem

te achega, feiticeira!...

Que me dê o que tens,
que me dê o que tenhas:

a vida, onde ainda estejas,
a morte, se morreste!...




ORGIA

Taça de cristal polido,
bebo, bebo e me embriago,
com sabor de coração,
sabor divino de lábios.

Bacante sou de uma orgia
deliciosa e não me exalto.
Rolam abertas as rosas
sobre o meu corpete intacto,
e eu bebo e bebo ainda mais
o licor que sabe a lábios.

Maravilhoso licor
de que já tanto bebi,
sem que se altere meu pulso,
sem que à mente faça estragos.

Cintila assim como dois
olhos negros no meu copo,
prende infinitos archotes
no meu coração gelado
e arrasta o meu pensamento
para caminhos fantásticos.

Bebo, e não me embriago, não.
Mordo o cristal do meu copo
e os espelhos estilhaço
que me olham e estou olhando.
Submerjo-me no licor
como em ondas de cobalto,
e, embora beba, o meu cérebro
não se desfaz em pedaços.

Dissolvo meu pensamento
licor com sabor de lábios
e em tuas ondas de emoção
toda vontade desfaço.

Cintilar de olhos ardentes,
mesmo morta, não me embriago,
e mesmo desfeita a vida
sobre a taça dos teus lábios!

(Traduções de Renato Suttana)


Direitos da tradução reservados ao tradutor. Não pode ser reproduzido sem autorização.

 


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