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Nicolau Saião

 

 

"O pássaro cantor" e outros poemas de Robert Frost

 

 

O PÁSSARO CANTOR

 

Eis um cantor, que muita gente já ouviu,

cantar na mata funda, em meados do estio,

e que faz soar de novo os mudos arredores.

Diz que o verde está velho, e diz que, para as flores,

dez vezes mais que o estio importa a primavera;

que em chuveiros a flor da cereja e da pera

despencou sobre o chão em dias já passados

plenos de sol, por uns instantes só toldados.

E vem o outro cair que chamamos de outono,

que o pó da estrada cobre e enfeita de abandono.

Como os outros seria, ao findar sua lida;

não soubesse, porém, em cantar não cantar.

A pergunta que traz, sem nada perguntar,

é o que fazer de alguma coisa diminuída.

 

 

 

O NINHO EXPOSTO

 

Estavas sempre a achar algum novo brinquedo.

Assim, quando te vi lá no campo, de joelhos,

mãos no chão, a bulir com o feno já cortado,

tentando – é o que supus – repô-lo em seu lugar,

fui então te ensinar como é que se fazia,

se era a tua intenção, firmando-o contra a brisa,

ou, a um pedido teu, fingir que te ajudava,

para vê-lo de novo enraizar e crescer.

Mas não estavas a brincar naquele dia,

e não te preocupava a grama, muito embora

tivesses uma mão cheia de brotos murchos,

de capim cintilante e raízes de trevos.

Era um ninho, no chão, cheio de filhotinhos

que a lâmina, ao passar, por pouco não ceifara

(por milagre ninguém havia se ferido),

mas expusera, inerme, ao sol e à claridade.

Querias devolvê-lo àquele seu direito

de ter alguma coisa interposta entre si

e a visão do amplo mundo, houvesse uma maneira.

Ao modo como a cada vez que nos mexíamos

todo o ninho reagia, assim como à chegada

de uma mamãe que demorou para voltar,

me perguntei se a mãe de fato tornaria

depois que a cena toda havia se alterado

e se o arranjo não fora assustá-la ainda mais.

Não dava, entanto, para esperar e assistir.

Havia grande risco em fazermos o bem,

mas impossível foi sonegar o melhor,

não obstante o perigo; e o anteparo findamos

que havias começado, e a sombra devolvemos

que lhes fora tirada. – Era o que nos cumpria.

Por que então não há mais nada que relatar?

Passamos a outra coisa. E não tenho lembrança

de haver tornado lá – por acaso te lembras? –,

isto é, de retornar e ver se os passarinhos

haviam resistido a uma primeira noite,

para aprender a usar as suas próprias asas.

 

 

 

ATADO E LIVRE

 

O Amor se prende à terra, onde repousa,

com outeiros e braços ao redor

e muros que o protegem do temor. –

Mas o Pensar prescinde dessas coisas,

pois dispõe de um par de asas corajosas.

 

Por neves, turfa, areias, vê a gente

que em tudo deixa o Amor seu fundo traço:

cingindo o mundo num estreito abraço,

e é sempre assim e assim vive contente.

Mas o Pensar se livra da corrente.

 

O Pensar corre a noite constelada

e na distante Sírius se assenta,

até que o dia lúcido o afugenta.

Com a bela plumagem chamuscada,

retorna à Terra firme, costumada.

 

O que ganha no céu tem seu lugar.

Mas dizem uns que o Amor, mesmo enleado,

sem se mover, domínio tem firmado

de cada coisa bela que o Pensar

vai longe – noutra estrela – procurar.

 

 

 

DEVOÇÃO

 

O coração não tem, a que se devotar,

Coisa maior que ser falésia junto ao mar:

Manter a curva de uma sóbria posição

Contra uma eterna repetição.

 

 

 

PASSANDO INCÓGNITO

 

É em vão que se ergue a voz, que se suspira

Sob o rumor das folhas, que respira:

Que fazes, entre a sombra secular

Das ramas, ocupado com luz e ar?

 

Do que a modesta orquídea menos sabes,

Feliz do brilho pouco que lhe cabe,

Que das folhas que a adornam não é dona,

Cuja flor para o solo se flexiona.

 

Por uma dobra a base lhe arrebatas –

E pareces pequeno ao pé das matas.

Desprende-se uma folha e cai, singela,

Sem trazer o teu nome escrito nela.

 

Cumpres tua hora e segues adiante.

E as matas ficam, seja como for,

Sem darem pela falta dessa flor

Que tomaste como um troféu do instante.

 

 

(Traduções de Renato Suttana)

 

 

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