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                      A
                            OPERAÇÃO LAVA JATO ENQUANTO PROJETO: COMPENSA O
                            ESFORÇO?
 
 (Ederson Ambrósio) 
 Quem já teve de lidar com uma
                        reforma em sua casa sabe que, em algum momento, os
                        serviços são aceitos como satisfatórios, ainda que
                        inacabados. Mas mesmo um projeto de maior
                        responsabilidade, mais complexo, também tem seus desvios
                        e, em algum momento ou ponto, também será aceito, mesmo
                        que desconforme. Tomemos o projeto de um automóvel,
                        fruto de exaustivas horas de planejamento, desenhos,
                        cálculos, atenção plena das mais variadas disciplinas de
                        engenharia. Não é desejável que haja surpresas ou
                        desvios, até porque, se a gente não espera que haja
                        surpresas, tem que estar sempre preparado para elas. De
                        repente, descobre-se que algo precisa ser revisto e já
                        não há mais como postergar a produção e comercialização.
                        Certamente um grupo de profissionais avaliará os riscos
                        em se permitir que o veículo siga para as ruas. Eis que
                        os modelamentos numéricos apontam que as possibilidades
                        de algo mais grave acontecer só virão após os primeiros
                        50 mil km, ou dois anos de uso. Assim, o sinal verde se
                        acende, o carro segue para as ruas, e seis meses depois
                        faz-se o recall. O projeto de um avião ou navio, de uma
                        festa de casamento, de uma pesquisa científica, de uma
                        investigação jurídico-policial, de uma viagem de
                        passeio, de uma cirurgia médica, todos possuirão alguma
                        incerteza. Quanto maior seu escopo ou mais desconhecido
                        for o cenário real em que o projeto se insere, mais
                        descobertas e mais frustrações teremos no percurso, e
                        mais ficará por fazer ou certamente receberá soluções do
                        tipo workaround. 
 É desnecessário ser um gerente de
                        projetos para reconhecer que, ao lidarmos com projetos,
                        sempre teremos de tomar decisões mais ou menos
                        importantes, com informações incompletas, escassas ou
                        mesmo inexistentes. Mas um bom gerenciamento certamente
                        se valerá de um modelo que ajude a compreender melhor a
                        realidade atual e que permita tentar antever o que está
                        por vir. Um engenheiro poderá utilizar um modelamento
                        numérico para compreender como se comporta a estrutura
                        de aço ou concreto de um edifício. Um grupo de
                        projetistas poderá encomendar a construção de um modelo
                        de avião e testá-lo em um túnel de ventos; afinal não dá
                        para descobrir que um avião não consegue decolar somente
                        depois de pronto. Aquele recurso que aprendemos em
                        nossas aulas de química, no antigo Segundo Grau (hoje
                        Ensino Médio), sobre a cor do fogo, também consiste em
                        um modelo que permite aos físicos inferir acerca da
                        temperatura das estrelas, já que sabemos sobre o fogo
                        azul que ele é mais quente e implica uma queima mais
                        eficiente. E esse tipo de leitura consiste em uma
                        avaliação indireta, já que nos é impossível medir
                        efetivamente a temperatura de uma estrela. Outros
                        projetos, como uma pequena festa de aniversário, poderão
                        ter a maioria de suas demandas antevistas e gerenciadas
                        apenas através de modelos mentais. Porém, em minha
                        vivência, infelizmente, percebo a maioria das questões
                        relacionadas a projetos complexos serem administradas
                        apenas por esse tipo de modelo. O grande problema aqui é
                        o fato de esse tipo de análise acabar por intervir na
                        realidade que se deseja compreender. Mas, então, como
                        encontrar e trabalhar com modelos não numéricos para
                        projetos como uma grande investigação jurídico-policial,
                        por exemplo, e recusar as práticas dos modelos puramente
                        mentais? 
 Já se faz importante organizarmos
                        nossos pensamentos ainda que de forma simplificada, para
                        tentarmos encontrar uma forma de lidarmos com isso.
                        Vamos primeiramente falar sobre a Viabilidade de uma
                        decisão dentro de um projeto. Esta dimensão nos coloca a
                        olharmos para os recursos, para a quantidade e a
                        qualidade necessárias frente àquelas efetivamente
                        disponíveis. Outra dimensão é a Aceitabilidade. Aqui,
                        seremos levados a questionar as vantagens de uma decisão
                        ou o que efetivamente obteremos com tal opção. Quais
                        serão os critérios de desempenho e como medi-los? Temos
                        ainda de avaliar a Vulnerabilidade. Esta terceira
                        dimensão nos coloca defronte aos riscos, a pensarmos
                        sobre o que pode dar errado e o que fazermos caso as
                        coisas não saiam como planejamos. E elas vão dar
                        erradas; é inútil resistir ou acreditar que você
                        conseguirá evitar isso. Se for reconhecido que as coisas
                        em um projeto estão bem, é porque não se olhou direito.
                        Quanto maior seu projeto, quanto mais longo, quanto
                        maior o escopo, quanto mais ele se parecer com um
                        serviço e não com um produto, maiores serão as chances
                        de desvios, e decidir sumariamente não incorrer em erros
                        pode custar mais caro que o próprio erro ou pode
                        substituí-lo por outro exponencialmente maior. Temos de
                        reconhecer que análises simplistas podem levar a
                        decisões simplistas e o processo de tomada de decisão,
                        via de regra, é um gerador de tensão. 
 Atualmente, temos em curso no
                        Brasil a operação Lava Jato, que é um projeto que
                        podemos classificar como de serviços, escopo amplo,
                        incerto, e inegavelmente complexo. Mas, para falarmos
                        dele, temos de sair do lugar-comum, das leituras rasas
                        que encontramos aos montes pela internet, sejam leituras
                        boas ou más. E é exatamente com um modelamento através
                        das dimensões Viabilidade, Aceitabilidade e
                        Vulnerabilidade – VAV –, que iremos tentar tal
                        exercício. Mas o faremos tal como os físicos estudando
                        as estrelas, de forma indireta, através da cor de luz
                        que delas emana. E faremos assim exatamente pelo fato de
                        termos de pensar sobre ele com as informações
                        incompletas ou mesmo inexistentes que temos a seu
                        respeito. 
 Diante da Viabilidade, podemos
                        ficar confiantes em reconhecer que os recursos exigidos
                        pela Lava Jato estão disponíveis em quantidade e
                        qualidade suficientes? É fato que há entre os
                        trabalhadores, nela envolvidos, somente mentes
                        privilegiadas e comprometidas com sua missão divulgada?
                        Os insumos físicos necessários estão adequados? Essas
                        questões devem ser pensadas em concordância com
                        propósito anunciado pela operação e não alinhadas ao que
                        compreendemos que deve ou deveria ser tal
                        empreendimento. 
 Do ponto de vista da
                        Aceitabilidade, somos obrigados a questionar os
                        critérios de desempenho da operação, ou do projeto, ou
                        das decisões que nela se desdobram. Nossas primeiras
                        perguntas podem ser: o que de fato ganhamos com os
                        vários desdobramentos deste projeto? Não valem respostas
                        inflamadas senão para o exercício de brainstorms que
                        posteriormente serão avaliadas em seus pormenores. E seu
                        desempenho? Tem sido satisfatório? Desde 2009 temos,
                        reconhecidamente, suspeitos julgados e punidos de forma
                        justa, rápida, imparcial, aberta? Os valores desviados e
                        recuperados recobrem os custos da operação, incluídos aí
                        contas sociais, como o espessamento da crise
                        politico-econômica instalada no país? O sistema de
                        contratação de obras e serviços pelas entidades públicas
                        se tornou reflexo de confiança? Já temos, entre nós, uma
                        “casta pura” de políticos (ou pretendentes)
                        comprometidos com as questões sociais de nosso país de
                        forma ampla? Sabemos de fato, ou claramente, como é
                        medido o desempenho desta operação? Estamos realmente
                        satisfeitos com seus resultados? Outras perguntas podem
                        e devem ser somadas a estas, pois nosso objetivo aqui
                        não é ir contra tal projeto, mas reconhecê-lo como ele
                        de fato se apresenta. 
 Mas ainda temos de avaliar a
                        Vulnerabilidade do projeto Lava Jato. A sua dimensão
                        atual lembra um grande dinossauro carnívoro, voraz,
                        temerário. Mas dinossauros eram lentos, pouco flexíveis,
                        e talvez por isso foram extintos. Tantas e tantas
                        gravações vazadas, que nos parecem “atos de confissão” e
                        “desejos de embargos” de alguns por julgar, não são
                        indicadores de ineficiência? Ou é uma intencional
                        tentativa (vã) de buscar um apoio público, um empurrão,
                        que nos parece não vir mais das panelas, apitos e patos?
                        Há a possibilidade de processos se desfazerem em função
                        do tempo que escoa contínuo e incansável? Há arestas e
                        singularidades jurídicas que podem comprometer o
                        necessário juízo, deixando-o imerso em ideias confusas e
                        equivocadas? 
 Todas essas questões postas em
                        VAV podem eventualmente pedir um desdobramento fractal e
                        serem elas mesmas reanalisadas sobre sua pertinência.
                        Isso nos ajudaria a diminuir cada vez mais nossas
                        incertezas acerca do projeto Lava Jato. Em algum momento
                        certamente perceberemos que, apesar da persistência
                        necessária e imposta em tal projeto, haverá um ponto em
                        que ele já não mais se justificará. Projetos amplos
                        iniciam e caminham em direção à conclusão de 80 – 90 –
                        95% de seu escopo, mas depois se estagnam para sempre.
                        Como lembrado por um amigo: um feirante que compra no
                        atacado para revender no varejo sabe bem disso. Podemos
                        também atribuir notas (0 a 10), ponderadas ou não, a
                        cada dimensão do VAV e construir uma forma de medi-lo
                        numericamente. Basta atentar que a Vulnerabilidade joga
                        contra o projeto. No caso da Lava Jato, e apenas como
                        exemplo numérico, se entendermos que a Viabilidade
                        merece nota 8, a Aceitabilidade merece nota 9 e a
                        Vulnerabilidade incorre em riscos elevados, merecendo
                        assim uma nota 9, temos a seguinte nota média: [8 + 9 +
                        (10 – 9)] / 3 = 6. Se decidirmos ponderar a
                        Aceitabilidade por 2, a média sobe para 6,75.
                        Passaríamos na matéria, mas um pouco afastados das
                        notas, quase sempre 10 com louvor, que vemos ser
                        atribuídas por aí por parte da mídia e entusiastas. 
 Eu fui encorajado por um poeta, o
                        mesmo amigo que nos lembrou sobre os feirantes, para
                        trabalhar neste texto (ou projeto) que chega perto de
                        90% de seu escopo. Assim, me senti obrigado a buscar
                        outro poeta que nos ajudasse na empreitada de reconhecer
                        seu final. Lembrei-me de João Cabral de Melo Neto, em “O
                        cão sem plumas”, quando questiona o modelo utilizado nos
                        mapas para marcar o rio Capibaribe: “[...] Por que então
                        seus olhos vinham pintados de azul nos mapas? [...]”
                        Assim como a realidade daquele rio é outra, é ferrugem,
                        é lodo, também pergunto: por que insistimos em enxergar
                        azul o fogo que queima na Lava Jato, se uma análise
                        afastada de modelos puramente mentais nos mostra um
                        matiz mais frio? 
 Não quero que compreendam que sou
                        contra ou a favor da operação Lava Jato, ou das decisões
                        que nela ocorrem. Não tratamos disso aqui, pois isso
                        envolveria um parecer jurídico profundo, e não temos
                        recursos em quantidade e qualidade para prosseguirmos
                        nessa direção e, portanto, a Viabilidade ainda me
                        prejudica reconhecer ou firmar uma posição consolidada.
                        Mas reconheço que se faz necessária uma abertura maior
                        em tal projeto, tanto da sua missão, da sua visão,
                        quanto dos resultados efetivos obtidos até aqui. As
                        revelações das promiscuidades que se dão entre
                        empresários e políticos se organizando contra todos nós
                        são desejáveis para nortear nossas ações de mudanças.
                        Mas já vai longe o momento de perder esse enfoque
                        policial e meio novelesco que é dado à operação (a
                        seguir, cenas dos próximos capítulos). Ora, são as
                        nossas vidas que estão em jogo! Por fim, torço para que,
                        na lava Jato, ainda estejamos distantes daqueles 90% do
                        seu escopo, quando então será vislumbrado seu final,
                        pois se estivermos, os 10% que ainda restam será uma
                        pizza muito cara. Prefiro pagar o pato! 
 30-5-2016
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