O SOM DOS CAVALOS SELVAGENS
Adelmo Oliveira
POEMA NARRATIVO Nº 1
O poeta converte a chuva e o sol em calmaria e tempestade.
Rompe a madrugada no tempo e abre o friso claro das eras.
Mistura-se ao pó das revoluções e pede solução ao futuro.
POEMA NARRATIVO II
A bomba explode no oceano e atira lágrimas de fogo (o homem treina para morrer).
Um canto de poesia fria brota, mirrado, entre os cardos
Ponho o ouvido no chão e a mensagem de guerra me vem de tôdas as partes
Bahia, Ano de 1967.
CANTO AGRÁRIO PARA O TEMPO PRESENTE
"Rintrah roars & shakes his fires in the burdern'air; Hungry clouds swag on the deep". William Blake
Convido-vos, amigos, a preparar a terra; o campo está novamente inculto. O tempo quis esta divisão de fronteiras e, agora, o que vemos é êste grande deserto: plantas agrestes, cactos, vegetais de maninha duração e parvas figuras, dominando outeiros, vales e colinas.
A manhã é um crepúsculo, onde circulam pássaros de vôo rasante.
O vento até mudou de direção; a agulha não aponta para o Norte A bússola partiu-se: era de vidro.
Diante dos olhos: um montão de cinzas e de rosas mutiladas
Por tôda parte: lírios pisados por sapatos de ferro; Entre os dedos: (visão perplexa), um embrião natimorto, fruto da primeira esperança.
Além, um horizonte vazio. Embaixo, um mar coalhado de insetos.
A luta renasce, porém, como uma flor de sangue entre duas fronteiras.
A palavra semeada, inscrita nas ruas, sob o calor do trabalho, não foi colhida; permanece intacta, suspensa no ar, à espera da colheita, que pode surgir.
PEQUENA CANÇÃO DO PORTA-ESTANDARTE
Escrevo teu nome nas paredes e no chão, nos passeios, nas esquinas e nos muros do cais escrevo teu nome.
Não é sêde de vingança. Não é ânsia de terror. Não é fuga ao desvario. Não é escape de angústia amorosa nem murmúrio de sentimentos dissolutos.
Escrevo teu nome em pleno hall das casas pias, no pátio dos conventos, no frontispício das igrejas e, também, nos lugares em que a inércia brota como planta daninha.
Avise ao amigo, ao vizinho, ao soldado, ao funcionário público, aos presos, aos proscritos, aos operários em geral, que partam em silêncio; que saiam do seu mutismo, da sua indiferença escravizada, que fabrica amargura; que subam à tona das ruas para escrever o teu nome.
Diga-lhes que o caminho é amargo; que o alimento é o próprio sacrifício; que a morte é uma sementeira, onde a mutilação dos corpos servirá de adubo para integração da nova batalha.
Diga-lhes, também, que a esperança está com a juventude: pronta, unida, para abertura da marcha.
Escrevo teu nome como quem lança a semente e fica à espera da colheita.
Escrevo teu nome como quem vê no sangue a fôrça pura da vida.
Escrevo teu nome como quem prega a paz e busca a felicidade.
CORREIO DA AMÉRICA
"I, too, sing, America" Langston Hughes
O pássaro está planando. - Rápido, as palavras cruzam; O vento traz as notícias - de Santiago do chile a Santiago de Cuba.
Telégrafo ou teletipo, em bôca, se transfiguram; As vozes se comunicam - de Santiago do Chile a Santiago de Cuba.
Mensagem de nôvo código: tinta, papel e gravura; A dor não muda: é antiga - de Santiago do Chile a Santiago de Cuba.
Linguagem cifrada ou clara: - flor, poesia ou discurso; A morte se multiplica - de Santiago do Chile a Santiago de Cuba.
O trem parou na fronteira. - A fome, o mêdo, o tumulto; Armas de guerra inimiga - de Santiago do Chile a Santiago de Cuba.
Devagar, a aurora avança e afia punhais de luz; Mão que o itinerário risca - de Santiago do Chile a Santiago de Cuba
POEMA-ELEGIA A MARTIN LUTHER KING
Chove no Estado de Nova Iorque. O vento, em fúria negra, Varre o pátio da Casa Branca E lança línguas de fogo Nos arranha-céus de vidro De Chicago, Detroit e Mênphis.
Vejo, agora, profunda Aquela bala vadia Penetrar o corpo de Martin Luther King. Desenhando uma estrêla de sangue.
Os homens brancos São sombras negras, Não ressuscito os guetos do III Reich. Há quem atire pedra nas flôres E esqueça, de ontem, os fatos na memória.
Lá, junto ao cais, Na escola e nas oficinas E no contar frio das horas As crianças negras da América Não dobrarão as cabeças em silêncio.
Chove no Estado de Nova Iorque. A paz é uma cruz Fincada na aurora Pelas mãos do século.
O SOM DOS CAVALOS SELVAGENS
Dentro da noite e pelo dia um eco surdo de ventania
Sobe a montanha transpõe o vale a fúria avança a sombra invade
Marca no tempo finas esporas um catavento no fio das horas
Patas de ferro porta fuzis deixa no vento a cicatriz
Dentes de faca olhos de fogo cuspindo raiva do próprio rosto
Destrói cidades e espanca a luz por onde passa finca uma cruz
Tempo de guerra, êste é meu tempo cavalos de ódio no pensamento.
RETRATO
Para Georgeocohama
No comício das palavras quebro facas de silêncio escuto a lição que fala - do poeta e camarada Vladimir Maiacovski
A chave na mão, destranco a fechadura da porta da oficina iluminada - do poeta e camarada Vladimir Maiacovski
As palavras são batidas como ferro, na bigorna nítidas como a figura - do poeta e camarada Vladimir Maiacovski
Repetidas na gravura como lâminas sonoras saltam ardentes do cérebro - do poeta e camarada Vladimir Maiacovski
Fôlhas escritas na mesa - idéias como fuzis, recorto a face de prata - do poeta e camarada - Vladimir Maiacovski
POEMA-DISCURSO AOS APRENDIZES DO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS
Meninos do Liceu Operário, formai colunas por um e por dois tomai ordem unida e batei continência atrelai aos ombros os vossos tambores e marchai pela encosta em direção da manhã
Sois, agora, os aprendizes da esperança acendei em vossas cabeças a memória. a porta está aberta para o lado da vida
Vossas mãos (cheias de cicatrizes) se desenham na armadura dos arranha-céus; vossos pés caminham sôbre abismos vosso corpo absorve o calor da fornalha.
Sede, agora, um porta-estandarte em cada beco ou avenida e inscrevei nas bandeiras novas palavras de ordem.
Olhai a lição escrita nos livros e na parede das ruas
Aprendei a cantar a liberdade para que não murchem as rosas da primavera.
Meninos do Liceu Operário preparai devagar a chegada da aurora.
SINOS DE DEZEMBRO
Não compro amores nem vendo flôres quebro as palavras na própria página
A rima é inútil no que assemelha ora é um espelho do próprio espelho
Ora é um espantalho dos próprios passos ora é uma esfinge do que pareço
Afasto, então, as miragens que, no fundo, me cercam sombra de minha sombra que de mim se perdem
Não me consome a ventania que varre as ruas e comove os sinos
Sou uma criança que nasceu crescida lendo pela janela as côres da fantasia.
FRAGMENTOS DE UM MANUSCRITO
Nasci em Da-Nang não conheço outros lugares meu pai morreu na valeta minha mãe subiu nas sombras do Napalm
Minha casa Baqueada em flôres de minério é uma arquitetupa de chamas
Devia ter nascido na Sibéria, no Polo Norte ou nas regiões geladas e, no entanto, sou filho de Da-Nang.
Em espinhos e cravos ou larvas de gelatina; não tenho onde pisar.
Vejo, sòmente vejo cavalos do ódio trafegar nas esquinas: são ruídos de máquinas invasoras.
(A metralhadora cospe o talo sêco dobra estou surdo de bombas um morteiro caiu perto de mim - já enterrei meus irmãos).
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Não rio, não choro nem gasto palavras tenho a esquerda decepada mas luto com a outra mão.
DUPLA FACE
Vidente ou cego, o tempo vejo e ao fio das horas me debruço; quanto mais rio, o Zábio mordo quanto mais choro, fico mudo.
Corrente ou poço eu me concebo que mundo sou em dupla face? vejo neste espelho que nego um semblante de outro que nasce.
ODE
Meu corpo não é meu. Meu corpo não é teu. Meu corpo se muito for, Meu corpo será da terra.
O tempo é feito de côres naquilo que sentimos lìricamente escorrer entre os dedos das mãos.
Nada de fantasia. A hora é tôda feliz se depois de vivida tentamos reavê-la.
Nada de puro tédio. O amor é sempre o amor: nasce quando até pensamos que êle, em nós, pereceu.
ELEGIA NEGRA
Na cidade das sombras o silêncio recolhido é um oceano gelado - de riso que não é riso
Corto a memória e desmaio, meu canto se perdeu nas ruas quebro a visão em pedaços enquanto permaneço em fuga
Com as palavras na boca quero gritar, nao posso; as mãos paradas no peito - o espanto nem me comove.
Levo comigo as ruínas nado contra rios e marés colho as dores - uma por uma -~como vingança do céu
Na cidade das sombras por avenidas escuras - escuras ruas da alma - escadas de amargura
Largo a esperança e tropeço em véspera do amanhecer, caminho dentro das sombras - na profundeza do ser.
SÃO FRANCISCO DE PEDRA E SAL
São Francisco de pedra e sal, teus olhos brancos já não movem as almas crentes que te miram.
Teu coração de pedra morta jaz oculto, atrás do tórax, vazio de todo sentimento.
As procissões se calam mudas pelo calçamento das ruas, cheias de gente e de silêncio.
Ninguém quer mais cantar o ofício de tuas preces lacrimais. A lágrima secou nos olhos; a crença se vestiu de pedra.
SONETO DA VÉSPERA
Para meu pai, ausente.
Passo de um ano para outro: envelheço. A face contra o espelho agora diz que já não sou o mesmo e a cicatriz fica no tempo: é tudo que mereço.
Assim, êste meu rosto é o enderêço das minhas dores. Pego, então, de um giz tento riscar um número infeliz de aventuras: são tantas que me esqueço.
Recolho a face, o espelho parte. Em mim cai lento um mar de múltiplas lembranças: em tôdas elas sempre fui herói.
Fiz guerrilha de rua contra rua; fui campeão de tôdas as corridas, hoje, sou homem feito e isto me dói.
POEMA DA CIRCUNSTÂNCIA
Um russo morreu no céu. Onde será o entêrro? As flôres lá não chegam para ornar o caixão do morto.
Certo, não haverá dobre de sino nem cânticos da Ave Maria. O carro fúnebre ficou parado à porta da casa mortuária
O coveiro não foi abrir a sepultura: permaneceu de pé, estático com o olhar perdidamente no azul.
CARTÃO POSTAL
Achei, Amiga, o verso e a palavra - Instrumentos de trabalho, Do pensamento e da memória.
Não é inspiração, nem canto vago Nem cismas do cair da tarde Nem fuga de lembranças mortas
Não é o quintal de minhas dores Amadurecidas na sementeira das horas, E iluminada na fagulha das chamas
Não é a chegada da primavera Desenhada na brancura das rosas - Um céu partido em duas metades
Não é o tempo quebrado no silêncio Que recolhe em mim o azul Perdido na pureza das côres
Não é, também, a sombra passageira que persegue os caminhos e paradas Assustando, de leve, a solidão.
Achei, Amiga, o verso e a palavra Nos teus olhos, no teu corpo, Nas tuas mãos e na tua alma, Como, outrora, no céu, a Estrêla da Manhã.
CANÇÃO DA NOITE
É madrugada na praça. O susto da ventania varre papéis na calçada no céu, a lua dormia.
Vejo a visão de seus olhos no coração, como um dia. Se lá fora a estrêla morre em mim ela renascia.
Meu canto é uma rosa em transe impresso em côres de aurora navega além da esperança no amor que se foi embora.
É madrugada na praça. Atrás, ficou a alegria a saudade é flor de mágoa dentro da melancolia.
SONETO LIVRE
Vi a manhã nascer nos teus olhos. O mar era um manto de crepe azul. O tempo escorria entre os meus dedos mas na tua face um emblema nascia.
Via a estrêla cair no dorso da água: era um cavalo-marinho entre as espumas. O peixe-pássaro era uma lâmina de sol cortando a visão na claridade do dia.
Vi, então, a tristeza morrer nas cores. Via a solidão amortecer na praia. Via a memória adormecer na areia.
Via a espuma cada vez mais alva. Via a sombra cada vez mais rara. Vi o amor nascer aqui na tua alma.
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