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Alberto Lacet

 

Sete sonetos de Góngora

 

 

A UMA CASA DE CAMPO ONDE ESTAVA UMA DAMA A QUEM CELEBRAVA

 

Se pode a vista, de chorar cansada,

de alguma coisa prometer certeza,

belíssima é aquela fortaleza

e generosamente edificada.

 

Paço é da minha bela celebrada,

templo de Amor, alcácer de nobreza,

ninho da Fênix de maior beleza

nesta idade a ruflar pluma dourada.

 

Muro que subjugais o verde plaino,

torres que defendeis o nobre muro,

ameias que das torres sois coroa,

 

quando de vosso dono soberano

mereçais ver a celestial pessoa,

representai-lhe o meu desterro duro.

 

 

 

 

DE UM CAMINHANTE ENFERMO QUE SE ENAMOROU ONDE FOI HOSPEDADO

 

Enfermo peregrino, pobrezinho,

por tenebrosa noite, a passo incerto

a confusão pisando do deserto,

ergueu a voz em vão, no descaminho.

 

Repetido ladrar, senão vizinho,

distinto ouviu de cão sempre desperto,

e em pastoral albergue mal coberto

piedade achou, se não achou caminho.

 

Saindo o Sol, entre arminhos escondida,

sonolenta beldade, em doce sanha,

salteou o caminheiro ainda defesso.

 

Pagará a hospedagem com a vida;

mais lhe valera errar pela montanha

que perecer assim como pereço.

 

 

 

 

DESCRIÇÃO DOS ASPECTOS DE UMA DAMA

 

De puras intenções templo sagrado,

cujo belo cimento e gentil muro

de branco nácar e alabastro duro,

foi pela mão divina fabricado;

 

pequena porta de coral lavrado,

claras lumeeiras de mirar seguro,

que da esmeralda fina o verde puro

tendes para vidraças usurpado;

 

soberbo teto, cujos cimbres de ouro

o claro Sol, enquanto em torno gira,

ornam de luz, coroam de beleza;

 

ídolo belo, a quem humilde adoro,

ouve, piedoso, o que por ti suspira,

canta teus hinos e virtudes reza.

 

 

 

 

INFERE, DOS ACHAQUES DA VELHICE, PRÓXIMO O FIM A QUE CATÓLICO ASPIRA

 

Por este ocidental, por este, ó Lício,

climatérico lustro de tua vida

todo pé mal firmado é uma descida,

toda fácil descida é precipício.

 

Falha o passo? A razão faça o exercício,

e vá se desatando a terra unida;

que prudência, do pó já prevenida,

esperou pelas ruínas do edifício?

 

Não só da pele a serpe venenosa,

mas com ela dos anos se desnuda,

e o homem não! Cega corrida humana!

 

Oh venturoso quem, a ponderosa

porção deposta numa pedra muda,

dá a leve à safira soberana!

 

 

 

 

AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONDE-DUQUE

 

Na capela me encontro, e condenado

a partir sem remédio desta vida;

sinto bem mais a causa que a partida,

por fome expulso como sitiado.

 

Culpa sem dúvida é ser desgraçado;

maior, de a condição ser encolhida.

Delas me acuso nesta despedida,

e partirei ao menos confessado.

 

Minha sorte examine o ferro agudo,

que apesar de seus fios me prometo

de vossa excelsa mão alta piedade.

 

E já que foi o encolhimento mudo,

os números, Senhor, deste soneto

sejam línguas e pranto não embalde.

 

 

 

 

A RIGOROSA AÇÃO COM QUE SANTO INÁCIO CONVERTEU UM PECADOR

 

Em tenebrosa noite, em mar crispado

naufragara um marujo, com afogo,

de doce voz e de homicida rogo

de Sereia mortal lisonjeado,

 

se o fervoroso, zelador cuidado

do grande Inácio não trouxera logo

(farol divino) seu ardente fogo

aos cristais desse tanque congelado.

 

Troca de velas o batel perdido,

e escolhos julga, que no mar se lavam,

e as vozes que na areia ouve lascivas;

 

beija o porto, altamente conduzido

daquelas que, por Norte seu, estavam

ardendo em águas mortas chamas vivas.

 

 

 

 

A VALLADOLID ESTANDO ALI A CORTE

 

Valladolid, de lágrimas sois vale,

e não quero dizer-vos quem as chora,

vale de Josafat, sem que a vós hora,

quanto mais dia de juizo abale.

 

De andar por vossas ruas que eu nem fale,

por onde o engano com a corte mora,

e sujo cortesão vos acho agora,

sendo vilão um tempo de bom talhe.

 

Todos sois condes, não sem nosso dano;

que o diga este andaluz, que num inferno

debaixo de uma tábua escrita pousa.

 

Não encontra o Benvindo por todo o ano;

o Pulga, sim, agora, e pelo inverno

o das Neves, o Barros, o Lodosa.

 

 

(Traduções de Renato Suttana)

 

 

 

 

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