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Poemas de Giacomo Leopardi

 

CANTO XIV - À LUA

 

Ó graciosa lua, bem me lembro

que, faz um ano já, sobre este outeiro,

cheio de angústia, eu vinha contemplar-te:

e pendias então sobre esta mata,

tal como agora, e inteira a iluminavas:

mas nebuloso e trêmulo do pranto

que em meus cílios manava o teu semblante

aos olhos me surgia, que era triste

a minha vida e ainda é, sem ter mudado,

ó tão querida lua. E entanto agrada-me

relembrar esse tempo e enumerar

os estados de minha dor. Oh, como

no tempo juvenil, quando ainda é longa

a esperança, e a memória ainda curta,

grato é lembrar as coisas que passaram,

mesmo que tristes e que as mágoas durem!

 

 

 

CANTO XII - O INFINITO

 

Sempre caro me foi este ermo outeiro,

e aquela sebe, que em tão grande parte

do horizonte final o olhar exclui.

Mas sentado, a mirar intermináveis

espaços além desses, sobre-humanos

silêncios e sossegos profundíssimos,

me afundo no pensar, onde por pouco

meu coração não se amedronta. E, como

ouço o vento roçar contra estas plantas,

o silêncio infinito comparando

vou a tal voz: e sobrevêm-me o eterno,

as mortas estações, mais a presente

e viva, e o seu rumor. Assim, por esta

imensidade o meu pensar se afoga:

e o naufragar me é doce neste mar.

 

 

 

CANTO XXVIII - A SI MESMO

 

Repousa para sempre,

Meu coração cansado. O engano extremo

Que acreditei eterno – é morto. Sinto

Em nós de enganos puros,

Não que a esperança: o desejo já extinto.

Dorme até nunca – e o muito

Que pulsaste. Não vale coisa alguma

O impulso teu, nem de um suspiro é digna

A terra: amarga e balda

É a vida, mais que tudo – e lama o mundo.

Aquieta-te, não creias

Numa outra vez. Ao querer nosso o fado

Paga em morte: despreza-te, por fim,

E à natureza, e ao mudo

Poder que – ingente – à comum perda leva,

E à infinita vaidade de tudo.

 

 

 

CANTO XIX - AO CONDE CARLO PEPOLI

 

Este afanoso e atormentado sono

a que chamamos vida, como o agüentas

Pepoli meu? De que esperanças vais

o peito sustentando? Em quais idéias,

em quais obras, alegres ou molestas,

gastas o ócio que os teus avós remotos

te deixaram, herança fatigante

e grave? É toda, em todo estado humano,

ócio a vida, se aquele obrar, se aquele

procurar que não busca digno objeto

ou que jamais alcança o seu intento,

bem se pode chamar de ocioso. A gente

industriosa que cuida da lavoura

e do gado, e ara a terra, e vê tranqüila

nascer a aurora e vir a noite, ociosa

se diria, porquanto sua vida

é para conservar-se viva; e a vida,

te direi com verdade, por si só

para o homem não contém valor algum.

As noites passa em ócio, mais os dias,

o timoneiro; ócio o perene suar

nas oficinas; dos guerreiros ócio

as vigílias e o risco das batalhas;

e o mercador avaro em ócio vive:

que para si, nem para outrem, a bela

felicidade, que cobiça e anseia

a mortal natureza, não conquista

ninguém ou por cuidado, ou por suor,

por vigília ou perigo. Mas ao áspero

e constante desejo, em que suspiram

desde que nascem os mortais, de serem

felizes, por remédio deu natura

necessidades várias nesta vida

infeliz, que não sem cuidado e lida

se provessem; e pleno, porque ledo

não poderia, lhe corresse o dia

à humana estirpe; desse modo a agrura

de tal querer confuso e conturbado

lhe tornando menor ao coração.

Assim também dos brutos a infinita

progênie, em cujo peito vive apenas –

do que o nosso não menos vão – o anseio

de ser feliz, procura o que é mister

à sua vida, e isso lhe torna o tempo

menos triste e pesado do que o nosso,

das horas a lenteza contornando.

Mas nós, que confiamos o prover

de nossas vidas a outrem, não sem tédio

ou pena suportamos mais pesada

necessidade, que outrem não pudera

prover por nós: necessidade, afirmo,

de consumar a vida, ímproba e invicta

necessidade, de que nem tesouros,

nem gado em abundância, campos férteis,

nem palácios, nem manto purpurino

poderão libertar a humana prole.

 

Outro, os anos vazios recebendo

com desdém e a superna luz odiando,

levado a antecipar os tardos fados,

desvia de si mesmo a mão que mata;

e, pungido da aguda mordedura

do desejo insanável que debalde

requer felicidade, busca em volta,

por toda parte, mil ineficazes

remédios, entre os quais nenhum compensa

quantos a natureza preparou.

 

Das vestes e cabelos o cuidado,

dos atos, dos passeios, e os preparos

dos coches, dos cavalos, e a freqüência

das salas e das praças rumorosas,

e os jardins, os jantares, e invejados

bailes o ocupam noite e dia; o riso

já lhe foge do lábio; ai!, mas no peito,

dentro do peito, grave, firme, imoto,

como coluna adamantina, jaz

tédio mortal contra o qual nada pode

o vigor juvenil, que não abala

doce palavra de rosado lábio,

nem o trêmulo e terno olhar de duas

negras pupilas, o querido olhar,

a mais digna do céu coisa mortal.

 

Outro, como a fugir da triste sorte

humana, a vida inteira despendendo

em mudar-se de terras e de climas,

entre mares e montes errabundo,

o orbe inteiro percorre, até os confins

dos espaços que ao homem, sobre os campos

infinitos do todo, a natureza,

abriu, e que ele atinge em sua errância.

Ai, ai, se senta sobre as altas proas

o negro tédio; e, não importa o clima,

e sob todos os céus, se chama em vão

pela felicidade, e reina a mágoa.

 

Há quem de Marte elege as cruéis obras

para passar as horas, e por ócio

tinge a mão no fraterno sangue; e há quem

com os danos alheios se conforta,

pensando que em fazer mísero ao outro

se fará menos triste, ou procurando

passar melhor o tempo na maldade.

E há quem virtude, ou sapiência, e as artes

perseguindo, ou aquele que, a oprimir

a sua própria gente e os estrangeiros,

ou das remotas terras perturbando

a calma antiga com o comércio, as armas

ou a fraude, consome o seu destino.

 

Um cuidado mais doce, um mais suave

desejo, em pleno abril dos anos, rege-te

a flor da juventude, para os outros

primeiro e jubiloso dom do céu,

mas grave, amargo, infesto para quem

pátria já não tem mais. Punge-te e move-te

o convívio dos versos, do falar

que extrai o raro, escasso e esquivo Belo

que há no mundo ou que a vaga fantasia,

mais benigna que os céus e a natureza,

produz fecundamente em nós e a nossa

própria ilusão. Feliz, mil e mil vezes,

aquele que não perde, envelhecendo,

do imaginar a caduca virtude;

aquele a quem os fados concederam

eterna conservar do coração

a juventude; aquele que na firme

e na exaurida idade, qual na verde,

em seu pensar fechado dá beleza

à morte e aviva os ermos. Dêem-te os céus

toda a ventura, e a chama que hoje queima

em teu peito te faça no futuro

encanecido amante da poesia.

As doces ilusões da idade prima

sinto já que me faltam e afastar-se

de meus olhos percebo as deleitosas

imagens que adorei, que lembrarei

até o último instante, pranteadas

e desejadas. Ora, quando a tudo

for este peito meu rígido e frio,

quando o riso sereno e solitário

dos campos que o sol banha, quando o canto

primaveril das aves matutinas,

ou por montes e vales, sob o límpido

céu, a tácita lua não me movam

o coração, quando me seja ignota

toda a beleza da arte e de natura,

e inane e muda, e todo sentimento

mais alto e as mais queridas afeições

estranhas e distantes, eu, mendigo

desse único conforto, ocupações

menos doces, com que da férrea vida

o impiedoso avançar ainda suporte,

elegerei. Mais a verdade amarga,

mais o cego destino dos mortais

e das coisas do céu inquirirei;

e por que produzida e carregada

de misérias e penas foi a humana

estirpe, e para qual último intento

a conduzem o fado e a natureza;

a quem a nossa dor deleita e agrada;

que ordens e leis dirigem este arcano

universo, a que os sábios tecem loas

e que só de admirar me sinto pago.

 

E nesse especular irei vencendo

os ócios: pois, embora seja triste,

se conhecida, tem os seus deleites

a verdade. E, se às vezes discorrendo

sobre a verdade, às gentes não agrade

ou não seja entendido o que eu disser,

não me doerá, pois já de todo o antigo

e belo anseio se apagou em mim

de glória, Deusa não somente vã,

mas também que a fortuna e que o destino,

também que o próprio amor Deusa mais cega.

 

(Traduções de Renato Suttana)

 

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