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Nicolau Saião, Iniciação 2

 

Poemas de Manuel Resende

 

Sai de casa

Dentes portugueses

Por exemplo

Soneto para um amigo morto

 

 

SAI DE CASA

 

Rasga este poema depois de o leres.

E depois espalha os bocados

Pelo vasto mundo

Ou então na tua rua, vai à aldeia, à praia,

Atira-o ao mar, deita-o ao lixo,

Para que venha o vento, o sol, a chuva, os homens do lixo,

Acabar com ele de vez.

Passado um dia,

Sai de casa e procura

Encontrá-lo de novo.

 

 

 

DENTES PORTUGUESES

 

Adeus, adeus, meus dentes! Só mais outro dia,

E vai-se acabar todo o conflito entre nós,

Divórcio que a dentista estrangeira oficia

Num desconsentimento total e feroz.

 

Essa fidelidade tão à portuguesa,

Feita de tanto golpe baixo, tantas fintas,

Com que me temperaste o prazer da mesa,

Fruto de fero amor, tão vero e troca-tintas,

 

Ficai com ela, que eu dispenso despedidas.

A culpa é toda minha, devo confessar

Que não tinha dinheiro e descurei medidas

 

Evidentes no plano mais elementar.

O remorso católico arde-me feridas

No sítio que Calvino gosta de brocar.

 

 

 

POR EXEMPLO

 

Por exemplo: os cheiros não têm nome

– Nem as nossas penas e alegrias.

 

Como separar o cheiro da alfazema, da urze, do beijo, dos corpos,

Da alfazema, da urze, do beijo, dos corpos?

 

As palavras cobriram com o seu mar

A maior parte da terra

E lá dentro já só vivem peixes mudos

E plantas meio descoradas,

 

Mas

Ameaçadoras

Ou aduladoras

Embateram impotentes

Contra as falésias onde

Começa o reino dos cheiros e da emoção.

 

Como dizer

O cheiro da alfazema, da urze,

Dos beijos ou dos corpos,

Ou disso tudo junto?

Só estando lá.

 

 

 

SONETO PARA O AMIGO MORTO

 

Preferiste morrer pois assim seja

Amém, adeus, meu velho amigo morto

Cá dentro desprendido te revejo

E apronto-me a compor um canto absorto

 

Já sei que para ti deus te proteja

Não queres funerais nem o conforto

De choros e de lágrimas na igreja

Mas um simples caixão e um anjo torto

 

A perguntar o tonto “E agora, Zé?”

Mas tu morreste mesmo e eu aqui

A compor rimas fúteis   fúteis pés

 

Já sei há tanta morte por aí

Tanta gente morrendo aos pontapés

Mas como tu tão morto nunca vi

 

 

 

Nota – O autor destes poemas, extraídos do seu livro “O mundo clamoroso, ainda” (Angelus Novus Editora), é uma das figuras cimeiras da tradução portuguesa. A sua versão, directamente  do grego, da obra de Odysseus Elytis “Louvado seja” recentemente dada a lume em Portugal, é uma verdadeira obra-prima como tal reconhecida na pátria de Camões, Pessoa e tantos outros.

 

De salientar, ainda, a sua ligação à brilhante equipa da revista “Diversos”, dada a lume em Bruxelas por escritores portugueses ali exercendo as suas profissões. (Nicolau Saião)

 

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