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Nicolau Saião

 

TRÊS POEMAS DE YEATS

 

 

SEM SEGUNDA TROIA

Por que inculpá-la dos inúmeros tormentos
com que me carregou, ou por ter ensinado
aos ignorantes meios rudes e violentos,
ou por ter contra o grande o pequeno incitado,
houvesse neste audácia igual ao seu desejo?
O que a colocaria em paz, com uma mente
que a nobreza tornou simples como um lampejo,
bela como a tensão de um arco – o que atualmente

não é tão natural, nem fácil de encontrar,
sendo alta, e solitária, e muito altiva enfim?
Que mais teria ela empreendido, sendo assim?
Mais uma Troia, então, para ela incendiar?

 

 

 

 

A SEGUNDA VINDA

 

A girar e a girar, num amplo círculo,

O falcão já não ouve o falcoeiro:

As coisas desmoronam, sem um centro;

Mera anarquia alastra-se no mundo;

Cresce uma onda de sangue, e em toda parte

Se afoga a cerimônia da inocência;

Hesitam os melhores, e os piores

Estão cheios de acesa intensidade.

 

Por certo é próximo um desvelamento;

Por certo é próxima a Segunda Vinda.

Segunda Vinda! Ah, mal o pronuncio,

E vasta imagem do Spiritus Mundi

Turva meu olho: algures, no deserto,

Uma forma de leão com rosto de homem –

Olhar vazio e duro como o sol –

As lentas coxas move, enquanto em volta

Pairam sombras de pássaros irados.

Desce a treva outra vez; mas sei agora

Que vinte séculos de um sono pétreo

Levou ao pesadelo um simples berço;

E, chegada a ocasião, que rude fera

Se arrasta até Belém para nascer?

 

 

 

 

A DESERÇÃO DOS ANIMAIS DO CIRCO

 

1

 

Busquei um novo tema inutilmente,

Por mais de seis semanas o busquei.

Talvez hoje, alquebrado, me contente

Meu velho coração; mas também sei

Que os bichos de meu circo, até o presente,

Verão e inverno, tudo já mostrei:

Garbosos jovens, cintilante biga,

Mulher e leão, e o mais – que Deus o diga.

 

 

2

 

Posso senão velhos temas lembrar?

Primeiro Oisin, levado pela mão

Por ilhas de alegórico sonhar,

Vã batalha e prazer, repouso vão –

Temas do amargo peito, a se julgar,

Próprios para cortês, senil canção;

Mas que importou a mim, que o convoquei

E só por sua noiva suspirei?

 

Como contraverdade, eis que aparece

A Condessa Cathleen, como a chamava;

Louca de dó, por paga a alma oferece,

Mas o imperioso Céu logo a salvava.

Julguei que o fanatismo e o ódio vencesse

A alma de meu bem, tornando-a escrava,

E isso um sonho gerou, que num momento

Foi todo o meu amor e pensamento.

 

E enquanto o pão roubavam Cego e Tolo,

Cuchulain o atro oceano combateu;

Mistérios da alma ali; mas por meu dolo,

Após tudo, só o sonho me acendeu.

O caráter, que um feito seu isola,

Alça o presente e da memória é rei:

Palcos e atores me ocuparam mais

Que as próprias coisas de que eram sinais.

 

3

 

Esta imagem possante, de completa,

Cresce na mente, mas onde é gerada?

Ruas sujas, ou lixo de sarjeta,

Velha chaleira, ou garrafa quebrada,

Ferro, osso, trapo, essa velhinha abjeta

Que guarda o caixa... Agora, sem escada,

Fico onde a escada sempre começou,

Na loja de osso e trapo do que sou.

 

 

 

(Traduções de Renato Suttana)

 

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